
Mês passado, o Telecine exibiu um festival dedicado aos filmes do folclórico detetive chinês, Charlie Chan. Célebre pela numerosa prole (tratada por filho nº1, filho nº2...) e pelos provérbios que dispara ao longo de suas investigações, Chan foi criado em 1925 pelo escritor Earl Derr Biggers. O enorme sucesso literário acabou por levar o personagem para a telona, onde protagonizou uma interminável série de filmes produzidos pela Fox (1931-1942) e pela Monogram (1944-1949). Porém, a longevidade de Chan não encontrou eco nos seus intérpretes, o que fez a inconfundível barbicha oriental ser ostentada por três diferentes atores: Warner Oland, Sidney Toler e Roland Winters. O personagem também recebeu adaptações para os quadrinhos e desenho animado (passava na Bandeirantes ou na Manchete?). Diante de tamanho currículo, até animei-me a encarar o tal festival. Só que falhei miseravelmente. Tentei assistir a dois ou três filmes e não consegui chegar ao final de nenhum, mesmo procurando levar apenas na base da curiosidade. Achei-os tão datados quanto aqueles seriados exibidos em matinês dos anos 40, verdadeiras peças arqueológicas (ex: Flash Gordon e Homem-Foguete). O incrível é que tem gente que é fanática por esse tipo de obra, coleciona e o escambau. Só a nostalgia explica. Portanto, ficamos combinados assim: a melhor aparição de Charlie Chan nas telas continua sendo, por vias tortas, a sátira feita por Peter Sellers (foto) na genial comédia Assassinato por morte. No enredo, escrito por Neil Simon, os cinco maiores detetives do mundo são convidados a jantar na mansão de um milionário excêntrico que os desafia a solucionar um crime que ocorrerá exatamente à meia-noite. Além de Chan, aqui chamado de Sidney Wang, também comparecem Sam Spade (Sam Diamond), Hercule Poirot (Milo Perrier), Miss Jane Marple (Miss Jessica Marbles) e Nick e Nora Charles (Dick e Dora Charleston). O elenco estelar conta ainda com David Niven, Maggie Smith, Alec Guinness, Peter Falk, Truman Capote...
Bom, para não dar a impressão de total perda de tempo, cumpre dizer que um dos filmes exibidos pelo Telecine - Charlie Chan no Egito (1935), para ser mais específico - esconde uma baita surpresa na figura de uma obscura coadjuvante de nome Rita Cansino. É impressionante constatar que, após erguer a linha do cabelo à custa de muita eletrólise e tê-lo pintado de ruivo, essa chicana desprovida de maiores atrativos transformou-se em Rita Hayworth, maior símbolo sexual do cinema nos anos 40. Não foi à toa que Hollywood recebeu a alcunha de "fábrica de ilusões".
Para encerrar com uma curiosidade, vai aí uma bem humorada resenha de Charlie Chan no México, escrita nos tempos em que o diretor francês François Truffaut ainda exercia seus dotes de crítico de cinema. O texto faz parte do livro "Os filmes de minha vida", publicado pela Nova Fronteira.
Carta aberta ao senhor Chan, detetive chinês, Beverly Hills, Califórnia:
Rogamos senhor Chan abrir investigação auxiliado por honorável filho nº1 e honorável filho nº2 finalidade descobrir motivo por que série Charlie Chan cada vez pior. Warner Oland muito talento, Sidney Toler pouco talento, Roland Winters nem um pouco talento. Norman Foster honorável diretor, William Beaudine não honorável; sempre alinhavou trabalho. Sobre tabuinha de jade está escrito: "Loucura irmã do gênio", série filmes Charlie Chan cada dia menos louca que dia anterior. Envie rapidamente explicações. Honorários em dólares chineses. Que Confúcio esteja conosco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário